Bolsonaro e a pergunta que faremos no futuro
Fonte: Vermelho
por Marcelo Fernandes
Publicado 04/05/2020 20:42 | Editado 04/05/2020 23:14
O filme “A Queda” (Der Untergang) de 2004 mostra uma cena que desde a primeira vez que vi nunca me saiu da cabeça.
Os soldados da Volkssturm eram recrutas inexperientes sob o comando direto do Ministro do Povo e da Propaganda da Alemanha nazista, Dr. Joseph Goebels, e estavam sendo aniquilados facilmente, chegando a atrapalhar as defesas alemãs. Mas a questão é que o governo nazista também pretendia manter grande parte da população sob controle militar, impedindo possível revolta contra o Partido Nazista. O Brigadeführer Wilhelm Mohnker, responsável pela defesa da cidade, explica pessoalmente ao ministro Goebels que os recrutas não tinham treinamento, estavam muito mal armados, e sendo assim, morriam em vão. A resposta de Goebel: “Não sinto nenhuma compaixão. Nenhuma compaixão! O povo alemão escolheu seu destino! É, isso pode surpreender algumas pessoas, mas não se engane. Não forçamos o povo alemão a nada. Eles nos deram um mandato, e agora suas gargantas são cortadas.”
No dia 28 de abril de 2020, ao ser alertado de que o Brasil, em relação ao surto de coronavírus, tinha ultrapassado o número de mortos da China, o presidente Jair Bolsonaro respondeu: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o que? Sou messias, mas não faço milagres”. Poderia ter completado: “não forcei o povo brasileiro a nada. Ele me deu um mandato.”
A “simpatia”, o ato de ser solidário, compartilhando sentimentos – como Adam Smith na sua obra, “Sentimentos Morais”, definiu como importante para nossa sociedade – é algo que falta aos dois personagens. Consta que até hoje os alemães se perguntam como Hitler chegou ao poder, levando grande parte do povo alemão a apoiá-lo nos seus delírios racistas e expansionistas. Da perseguição aos comunistas e judeus que às vezes num raciocínio confuso ele acreditava ser uma coisa só, até o culto à guerra e à morte, Hitler nunca escondeu sua insânia, seu ódio. Deixou inclusive, isso claro, por escrito, no livro Mein Kempf.
O livro Os carrascos voluntários de Hitler, do cientista político Daniel Goldhagen, levanta a hipótese de que o próprio povo alemão estava contaminado por um ódio que tornou possível, por exemplo, o holocausto.
E o que falar de Bolsonaro?
Militar fracassado, Bolsonaro jamais conseguiria escrever um livro expondo as suas ideias. Entretanto, há disponível centenas de pronunciamentos registrados, antes de se tornar presidente, sobre o que ele pensa da vida, dos trabalhadores e o lugar que o Brasil deve ter no Mundo.
Seu ódio ao comunismo, aos homossexuais e sua falta de simpatia pelos pobres já eram bem conhecidos antes de ele se eleger. É fácil encontrar o vídeo em que Bolsonaro, num subúrbio rico em Miami, presta continência à bandeira dos Estados Unidos.
A submissão vergonhosa diante do governo Trump também não pode ser tratada como surpresa, portanto. Nem seu desapreço pela democracia, pois defendeu várias vezes o golpe militar de 1964, a tortura e o assassinato de militantes.
Bolsonaro iniciou seu governo numa economia com alto desemprego. Mas não propôs medidas a favor do crescimento, aprovou reformas que só beneficiaram o capital, com efeitos praticamente nulos sobre o emprego, a não ser o de aumentar a precarização no mercado de trabalho.
Na pior crise sanitária em um século no qual existe um consenso do papel intervencionista que o Estado deve ter para reduzir os efeitos econômicos da crise, Bolsonaro não tem qualquer plano, e ainda dificulta a vida daqueles que querem fazer algo, como os governadores e prefeitos que lutam contra a pandemia.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, com seu neoliberalismo tacanho, sumiu de cena, enquanto Bolsonaro se especializou em dizer asneiras, torturando com palavras a população que assiste com medo o aprofundamento do surto epidêmico.
Num futuro não muito distante os brasileiros também, como fazem os alemães de hoje, se perguntarão como foi possível Bolsonaro chegar e se manter no poder.
Infelizmente, nesta analogia muito imperfeita entre Hitler e Bolsonaro, a pergunta outra vez virá quando for tarde demais. No segundo caso, assim como aconteceu no primeiro, a demora da tomada de consciência irá custar milhares de vidas que poderiam ter sido salvas.
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